quarta-feira, 4 de maio de 2011

Como Iansã Tornou-se a Senhora dos Cemitérios

Olófin reinava em Ifé e tinha uma filha chamada Oyá, que era desejada por Ikú, a Morte. Ìkú era muito feio e estava sempre disposto a fazer o mal às pessoas. Seu costume preferido era levar qualquer pessoa para o cemitério, de onde ela nunca regressava. Certo dia ele foi até o palácio de Olófin e revelou seu desejo de casar-se com Oyá. Olófin ficou surpreso com o pedido e lhe fez uma proposta: “Está bem, você poderá casar-se com Oyá, desde que se comprometa a trazer-me cem cabeças de gado”. Esta foi a maneira de livrar-se de Ikú, pois sabia que ele não poderia cumprir o pedido em razão de estar sempre sem dinheiro e nada ter na vida.

Ikú, muito esperto, percebeu que Olófin, não queria lhe entregar Oyá e, então, pensou em uma contraproposta: “Para que queres cem cabeças de gado se posso fazer-lhe uma oferta melhor? Posso lhe trazer um homem que vale mais do que todas as rezes juntas e que irá trabalhar para você o resto da vida”. Olófin lhe perguntou: “E quem é essa pessoa?” Ao que ele respondeu: “É Àwòrò, o conhecedor de todos os poderes do bem e do mal, os que curam e os que matam”.

Olófin aceitou a proposta de Ikú, porque sabia que Àwòrò era muito religioso e cumpridor de seus deveres, fazendo tudo o que os Orixás mandavam. Era homem de poucos amigos, entre eles o Ogã, e o Agbó, o carneiro. Não bebia e nem jogava, e o mais importante, não tinha nenhuma relação com Ikú. Olófin não se preocupou, pois sabia que Ikú não teria como obrigar Àwòrò contra a sua vontade.

Ikú saiu de lá, planejando como iria cumprir com o prometido, quando no caminho avistou Àgbò, o carneiro, vindo em sua direção. Aproveitou a oportunidade, contou-lhe a conversa que havia tido com Olófin e lhe fez uma promessa: “Se me ajudares, eu te asseguro que nunca te levarei para o cemitério, ou seja, nunca morrerás”. Àgbò, apesar de amigo de Àwòrò, aceitou a proposta de Ikú, mas disse que precisaria da ajuda de Ogã, a quem deveria fazer-lhe a mesma promessa. Procuraram por Ogã e ele também se comprometeu a ajudá-lo. Eles iriam levar Àwòrò ao cemitério naquela mesma noite.

Porém Oyá descobriu o plano de Ikú e o acordo entre ele e Olófin, resolveu então ir até a casa de Oromilaia, para uma consulta. E ele lhe disse: “Ikú poderá até conseguir o que deseja, mas a traição dos amigos porá tudo a perder. Você, porém, poderá salvá-lo se for ao cemitério e enfrentar Ikú.” Oyá temia Ikú e, mais ainda, o cemitério, mas decidiu não dizer nada.

Naquele momento, Àwòrò estava em seu trabalho religioso, realizando suas orações, quando foi orientado a não abrir a porta a ninguém depois de deitar. Por isso, ao chegar em casa fechou as portas mais cedo do que o de costume, certificando-se que elas estivessem bem trancadas. Não levou muito tempo, quando ouviu baterem à porta. Recostou-se na cama perguntando-se quem poderia ser. Ogã identificou-se, dizendo que trazia para ele doce de coco, pois sabia que era seu favorito. Mesmo assim Àwòrò disse que não abriria a porta, pois já estava deitado. Ogã voltou para Àgbò, perguntando o que fazer. O carneiro então pegou o doce de coco, e chegando até a porta, disse: “Àwòrò, somos seus melhores amigos. Se você não pode sair, abra um pouco a porta para que possamos lhe entregar o doce de que tanto gostas”. Àwòrò sentiu um desejo muito forte, e falou consigo mesmo: “O que poderia acontecer se eu abrisse só um pouquinho a porta?” Desceu e foi abrir, quando o agarraram e se dirigiram ao cemitério.

Era uma noite bem escura, e todos estavam com medo de entrar, mas não havia outro jeito. Não tinham avançado muito, quando diante deles apresentou Ikú em sua verdadeira forma: todos os ossos à mostra. Era pura caveira. Ao ver o susto nos olhos dos dois, Ikú os acalmou e eles se recompuseram.
Contam que Àwòrò estava ali, mas que no momento de ser entregue, quem surgiu entre os dois foi Oyá, em meio a ruídos de raios, coriscos e ventanias. Os três saíram correndo apavorados. Oyá então libertou Àwòrò e disse-lhe: “O doce de coco quase lhe custa a cabeça”.
 
Àgbò, ao sair correndo, passou pelo palácio de Olófin feito um bólido. Olófin ao vê-lo passar, suspeitou que algo de anormal estava acontecendo. Chamou seus guardas e pediu que trouxessem Àgbò. Exigiu que o carneiro lhe contasse o que havia acontecido. Quando Àgbò acabou de contar, Olófin mandou buscar Ikú, Àwòrò, Ogã e Oyá. Ao tê-los todos à sua frente, falou-lhes: “Ikú, com a sua maneira habitual de conseguir as coisas, o que de outra forma teria sido impossível, eu te condeno a que, de hoje em diante, não tenha amigos, nem bens, nem casa, nem nada. Que nunca sejas bem-vindo em nenhum lugar. Que vagues por todas as partes, por toda a eternidade em sua forma verdadeira”.

Olófin continuou seu julgamento: “Àgbò, tu traíste o teu melhor amigo por querer a vida eterna; irás morrer quantas vezes um Orixá necessitar de ti. Quanto a Ogã, tu és culpado do mesmo delito; portanto serás condenado a que não descanses nunca e terás que estar à frente em todos os trabalhos que surgirem e sempre que for solicitada a tua presença. A ti, Àwòrò, eu não direi nada, pois o susto que passou por não obedeceres ao que os Orixás te determinaram já é o suficiente”.

E, por último, Olófin se dirigiu a Oyá: “Tu salvastes a vida de Àwòrò e demonstrastes a falsidade de dois amigos, mas sobretudo perdestes o medo de Ikú. De hoje em diante serás a dona do cemitério e de tudo o que estiver dentro dele. Ikú, que quis fazer-te mulher dele, de agora em diante será teu escravo e trabalhará para ti eternamente”. Dizendo isso, retirou-se satisfeito, certo de ter feito justiça.

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